Este é tempo de partido, tempo de homens partidos. Em vão percorremos volumes, viajamos e nos colorimos. A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua. Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos. As leis não bastam. Os lírios não nascem (...) O poeta declina de toda responsabilidade na marcha do mundo capitalista e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas promete ajudar a destruí-lo como uma pedreira, uma floresta, um verme. ( "Nosso Tempo" - Drummond)

segunda-feira, 6 de julho de 2009

DESABAFO: Educação para a Barbárie "Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura se é verdade..."

o horror era na travessia dos navios que traziam escravizados da África para o Brasil. Hoje, esta frase me vem constantemente à mente quando estou dentro da Escola. Tentando administrar conflitos, ou quando converso com colegas de faculdade que também tornaram-se professores e estão, como eu, submetidos a uma série de frustações, violência, humilhações, conflitos de uma sociedade corrompida como a nossa , encarnados na Escola, no dia a dia da Escola, diga-se bem.
Bem, é um exagero comparar a crise na Educação Brasileira com o horror dos Navios Negreiros de Castro Alves. Mas acho que é hora de exagerarmos mesmo. Sermos radicais, irmos a raíz. A história do Brasil, de boa parte dele, de quase quatrocentos anos dele, se fez através desses navios. Somos esta história. A escola que eu vejo não é uma ponte para a evolução. A verdadeira escola que vejo, que trabalho, que estudo, é uma Instituição que exclui, discrimina, ignora. O que pode ser pior numa sociedade do que uma Instituição que deveria ser o locus, por excelência, da superação e da evolução de uma sociedade. O local ideal para e equalização das desigualdades economicas, sociais e históricas. Mas que, ao invés disso, se transforma numa das esferas mais violentas, e locus privilegiado de exclusão e manuntenção e reprodução de nosso país nascido sobre tanto "horror perante o céu"?
Quem sabe assim chamaremos a atenção para o absurdo da Educação básica nacional para o Absurdo das condições de trabalho do professor, que estamos todos ficando doentes. As vezes, quando saio de algumas aulas, fico imaginando se há alguma trabalho pior do que esse. Trabalho, diga-se bem, não luta pela sobrevivência, como milhares de brasileiros tem que fazer dia e noite para sobreviver e manter a dignidade para não ir para o crime (talvez até com razão...).
Senão, que tipo de trabalho, um único indivíduo, com diploma universitário, tem que entrar numa sala, com trinta, quarenta ou cinquenta outros individuos totalmente diferentes, mas se relacionando coletivamente. Ensinar a todos, ao mesmo tempo, o mesmo conteúdo. Que sabemos, não tem muito a ver com suas vidas. Ainda mais se a "clientela" da escola for oriunda de regiões pobres, senão miseráveis, e com profundas crises sociais. E tudo isso encarnado no aluno, no professor, na direção, nos funcionários. Enquanto estamos perto do computador quântico, escolas não tem Giz. Enquanto os alunos tem acesso fácil e barato a todo tipo de tecnologia digital, midiática, maravilhosa, temos que dar conta de um conteúdo que não lhes diz respeito. Enquanto os alunos tem acesso e convívio com todo tipo de violência e desestrutura familiar e social, temos todos que fazê-los sentar em filas, quietos e fazê-los aprender. Quando eu era aluno, o conteúdo da escola também não me dizia respeito. Mas ainda sim, havia duas coisas que hoje são raras. Primeiro, tínhamos a sede do Conhecer. Segundo, querendo ou não, tínhamos que estudar, caso contrário, reprovávamos, sem dó nem piedade. E esta responsabilidade já havia em nós. Com onze, doze anos, tínhamos já o peso da responsabilidade de não ser reprovado. Hoje... alunos de quarta série tem consciência de que não precisam estudar pra passar de ano. Puxa Vida, se nem na faculdade a gente estuda se não for obrigado pelo professor, é muita estupidez achar que uma criança vai estudar sem nenhum tipo de "incentivo".
O discurso moderno da violência que era a repetência é bonito. Mas tão estúpido quanto a repetência, da qual eu próprio tive duas experiências, é seu extremo contrário: a nossa famosa Progressão Continuada.
Isso daria um livro. mas basta dizer que é um projeto de governo do PSDB paulista, e reverendado por toda a população pelo voto, de fazer o Brasil ter índices de desenvolvimento equivalentes a "países desenvolvidos", como afirma a secretária de Educação.
Pois é.... Se Marx ficou famoso porque inverteu a lógica da dialética de Hegel. os tucanos entrarão para a história como os que inverteram a lógica do conceito de Infra/Super Estrutura de Marx. Quer dizer, primeiro nós temos que alcançar os índices de países desenvolvidos, depois... estes índices alterarão as reais condições de nossa sociedade.
Acontece que o preço dessa maquiagem sairá caro, em pouco tempo. Se vivemos já numa sociedade autoritário, profundamente marcada pela violência da desigualdade econômica, individualista, este projeto de Educação que a sociedade do Estado de São Paulo está implantando através do PSDB...... estamos educando para a Barbárie. E todos os professores, querendo ou não, somos coniventes com isso.
Claro, há alternativas, nem tudo está perdido. Mas minha realidade não é essa. É é dela que devo falar. De alunos do terceiro ano do ensino médio que nunca leram nenhum livro na vida. De alunos da quinta série, qua não sabem ler, escrever, e ainda assim, tiram boas notas em Língua Portuguesa. Ah, e lógico, indiferente das notas, passarão de ano. De professores que são agredidos constantemente pelos alunos, pois alguém vai ter que receber de volta toda esta violência da sociedade que eles recebem: dos pais, dos amigos, da mídia, da sociedade de consumo, da escola, do tráfico, do trânsito (pois ainda não sei como não morreu nenhum dos alunos no caminho de nossa escola). Aí acontece o seguinte: em escolas públicas o professor desiste de querer ensinar. Fica doente. E torna a relação com o aluno tão violenta quanto. Ou então ignora a situação, pois, "o que podemos fazer", assim que é, e assim será. Prova disso é que boa parte dos filhos dos professores e DIRETORES ( atestado de incompetência) estudam em escolas particulares. Que por sua vez, tem em sua clientela os filhos da classe média alta, ou da elite econômica - daquela que mandava vir os Navios, e que, por estarem pagando o salário do professor, acham que este tem que se sujeitar a todo tipo de humilhação que seus filhinhos, futura elite do Brasil, podem lhe submeter. E não são poucas... Resultado: Se o professor da escola pública, que sofre a violência, pode ao menos verbalizá-la, seja contra o aluno, seja à seus responsáveis, o professor da escola particular ainda tem que pedir desculpas quando reage a alguma humilhação ou violência.
Mas não acho que os professores somos somente vítimas disso. Também estamos entre os maiores responsáveis.

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